O hinduísmo e o budismo sempre demonstraram um nível de abertura e tolerância em questões religiosas bem diferente daquele a que estamos acostumados no Ocidente. A diversidade religiosa não é considerada uma fraqueza. Muitos budistas diriam até que o oposto é que é verdade.
O objetivo de todos os budistas é se redimir do ciclo dos renascimentos. A questão consiste em saber que métodos ou recursos devem ser procurados para se atingir esse objetivo.
Os povos asiáticos, em particular, são provenientes de formações culturais bastante variadas. Assim, os métodos utilizados precisam refletir esse fato. Em consequência, costuma-se destacar que a experiência é o princípio que deve guiar a escolha dos métodos.
Entre os muitos movimentos dentro do Mahayana, dois atraíram mais interesse nas últimas décadas. São a tendência tibetana Vajra-yana (o veículo de diamante) e o zen-budismo japonês. Esses movimentos se destacam do budismo Mahayana de várias maneiras.
Budismo tibetano
No Tibet, o budismo se incorporou à religião local, denominada Bon. Esta se caracterizava pela crença em deuses e espíritos, que eram cultuados com sacrifícios sangrentos, encenações de mistérios e danças rituais. Vários desses deuses originais continuam sendo cultuados como guardiães dos ensinamentos budistas. Contudo, sob a superfície prevalece a doutrina budista. Os budistas tibetanos acreditam que eles representam a doutrina original, não adulterada.
Algumas características externas mais aparentes do budismo tibetano são as rodas de oração e as bandeiras de oração — objetos que contêm diversas orações e fórmulas escritas. Quando a roda de oração gira — impulsionada ou pela mão de alguém ou pelo vento ou pela correnteza de uma cachoeira — ou a bandeira tremula ao vento, ela põe em movimento “a roda do ensinamento”.
O mantra (fórmula mágica ou enunciação sagrada) mais comum no budismo tibetano é Om Manipadme Hum, que significa “O tu, que tens a jóia no teu lótus”, ou “Seja louvada a jóia no lótus”. Essa fórmula é encontrada por toda parte no Tibet. Para aumentar sua eficiência, usa-se um rosário de 108 contas (108 é um número sagrado).
O Lamaismo
No Tibet o budismo muitas vezes é chamado lamaísmo, do termo lama (“professor” ou “mestre”), nome dado aos líderes espirituais, em geral monges.
Em nenhum outro país do mundo o budismo permeia tão completamente o tecido da sociedade como no Tibet. Grandes parcelas da população se integraram às ordens religiosas de monges e monjas, e os mosteiros sempre tiveram íntimo contato com os leigos.
A originalidade do lamaísmo reside em sua estrutura social. Desde o século XVII o Tibet é governado por um lama principal, ou dalai-lama (oceano de sabedoria), que tem sua sede na capital, Lhassa. O dalai-lama é o líder religioso e político do país. Acredita-se que ele seja a reencarnação de um famoso bodhisattva.
Ao morrer um dalai-lama, os sacerdotes buscam uma criança que tenha sua marca. Quando, depois de vários testes, é encontrada a criança certa, ela é consagrada como o novo dalai-lama.
Budismo tibetano contemporâneo
Em virtude de sua cultura muito distinta e de sua localização inacessível entre as montanhas mais altas do mundo, o Tibet por um longo tempo foi considerado uma espécie de “terra de contos de fada”.
Em 1959 o conto de fada teve um fim súbito: a China assumiu o controle total do país e o dalai-lama foi obrigado a fugir para a Índia, onde obteve asilo político. Desde essa época, dezenas de milhares de tibetanos se refugiaram na Índia e no Nepal, lugares em que o budismo tibetano continua vivo.
Mosteiros budistas seguindo os padrões tibetanos surgiram na maioria dos países da Europa Ocidental e nas Américas.
Zen-budismo
A maior ambição de todos os budistas é atingir algum dia a iluminação (bodhi), como aconteceu com o Buda há 2.500 anos.
Dentro do budismo, porém, existem consideráveis diferenças de opinião sobre o que essa iluminação implica e como se chega a ela. Dentro da tradição do budismo Mahayana, surgiu na China uma escola especial de meditação que, mais do que qualquer outro movimento, realçava a iluminação como o verdadeiro núcleo do budismo. Esse movimento aos poucos se espalhou para a Coréia e o Japão, e ficou conhecido no Ocidente por seu nome japonês, Zen, que significa “meditação”. Como hoje em dia é mais fácil estudar o zen no Japão do que na China, vamos nos concentrar no zen-budismo japonês.
O zen-budismo se baseia na iluminação do Buda. Os ensinamentos do Buda, tal como foram passados para os textos budistas, não recebem tanta prioridade. Isso reflete a profunda desconfiança do zen quanto à palavra e sua capacidade de transmitir conhecimento. Não obstante, aquilo que não pode ser transmitido pela palavra pode ser transmitido pela “visão direta”. Diz-se que o Buda trouxe a iluminação para seu discípulo mais promissor simplesmente segurando uma flor diante dele, sem nada dizer. Assim, a iluminação vem sendo comunicada de geração em geração pela transmissão não verbal.
Ensina o zen que a iluminação deve vir de dentro, deve ter sua origem no coração do indivíduo. Conta-se que um famoso mestre zen jogou todas as imagens do Buda na lareira a fim de aquecer a sala em que ele e seus discípulos se encontravam.
Os ensinamentos do Buda só podem nos levar até uma parte do caminho. Podem ensinar o rumo certo, mas o importante é vislumbrar aquilo para onde apontam, a iluminação em si. É fácil manifestar mais preocupação com as ideias ou os rituais religiosos do que com a experiência religiosa que é objeto dessas ideias e desses rituais
Uma vez que a iluminação deve vir de dentro, o zen-budismo não tem nenhuma fórmula fixa para alcançá-la. Mas ela pode chegar quando menos se espera e atingir a pessoa como um raio. De súbito, a pessoa “desperta” — e fica consciente de que faz parte do infinito, de uma maneira inteiramente nova. Isso não vem gradualmente, com o tempo. Quando ela chega de fato, é total. Sua manifestação não está ligada nem mesmo à meditação. Uma experiência mundana qualquer também pode acabar levando, com igual facilidade, ao objetivo desejado.
Alguém já disse que o budismo Theravada busca abrir a porta do nirvana à força, ao passo que o Mahayana quer ficar mexendo a chave até que a porta se abra por vontade própria. Essa descrição talvez seja mais típica do zen-budismo que de outros movimentos mahayanas.
As noções fixas podem ser um obstáculo para a iluminação; portanto, um pré-requisito é a mente se esvaziar de palavras e ideias. O importante no zen é romper com a lógica do discípulo e com seus processos conceituais de pensamento. Isso sempre foi feito pelos mestres ao apresentar a seus discípulos perguntas e respostas totalmente surpreendentes. Também é comum o uso de charadas que parecem absurdas e sem sentido.
Uma característica do zen é sua atitude positiva para com as tarefas mundanas. Isso deriva da visão zen sobre o que é a iluminação.
Se se pedisse a um zen-budista que explicasse a iluminação, ele poderia talvez dizer: “O cipreste no jardim!”. Ou, se ele realmente estivesse disposto a responder à pergunta em nossos termos, poderia dizer que a iluminação é perceber que não existe iluminação. Como não há nenhuma “verdade” para a qual se deva acordar, e nenhuma “ilusão” da qual se deva acordar, a iluminação é compreender que o mundo é tal qual nós o vemos.
Talvez devêssemos dizer que não há nenhuma outra maneira de compreender o significado da vida a não ser vivê-la. Em conseqüência, muitos zen-budistas destacam que o trabalho rotineiro pode ser usado como um exercício de meditação. A prática consciente de uma rotina manual pode ser tão favorável para a iluminação quanto a meditação e os rituais religiosos. Por esse motivo, ocupações aparentemente triviais como tomar chá, fazer arranjos de flores e cuidar do jardim passaram a ter grande importância no zen-budismo. No Japão, certos esportes e formas de arte também receberam forte influência do zen: arco e flecha, luta corporal, esgrima, teatro, poesia (haicai), música e pintura.