Durante o período védico, a doutrina do carma e a da reencarnação eram vistas como algo positivo. Por meio dos sacrifícios e das boas ações, o indivíduo podia garantir que iria viver várias vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo como algo negativo, como um círculo vicioso a ser quebrado.
O hinduísmo não possui uma doutrina clara e não ambígua sobre a salvação que explique de que modo o homem pode escapar do interminável e cansativo ciclo das reencarnações. Dentro do hinduísmo há uma grande quantidade de movimentos e seitas com visões divergentes.
Apesar disso, é possível distinguir três caminhos diferentes para a graça, que exerceram papel relevante na história da Índia. São as Vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.
Essas vias não não movimentos religiosos organizados. Trata-se, na verdade, de três tendências principais dentro do hinduísmo. O caminho escolhido pode depender do indivíduo. Mas um hinduísta também pode se inspirar nessas três vias.
A via do sacrifício
A palavra indiana para “ato” é karma. Hoje ela é usada para denotar todos os atos humanos — ou o resultado coletivo desses atos. No período védico, o termo se referia basicamente a atos religiosos ou rituais, em especial aos atos sacrificiais. Estes eram necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal. Esse antigo costume sacrificial, minuciosamente descrito nos Vedas, continua a desempenhar um papel capital no hinduísmo. Fazendo sacrifícios e boas ações, muitos hinduístas tentam obter a felicidade terrena, boa saúde, riqueza e copiosa descendência. O objetivo permanece o mesmo de outras correntes do hinduísmo: libertar-se do círculo vicioso da transmigração do espírito
A via do conhecimento (ou da compreensão)
Segundo uma ideia central dos Upanishads, é a ignorância do homem que o amarra ao ciclo da reencarnação. Compreender a verdadeira natureza da existência — o oposto da ignorância — será, portanto, um caminho para a salvação. É apenas quando o homem adquire o reto conhecimento que ele é redimido da implacável roda da transmigração.
O conhecimento que traz a salvação é o de que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual (Brahman) são uma coisa só
O Brahman é o princípio construtivo do universo, uma força que permeia tudo, uma divindade impessoal. Todas as almas individuais são reflexos dessa única alma universal.
O homem é libertado da transmigração ao adquirir plena compreensão da unidade entre atmã e Brahman. O objetivo é se dissolver no Brahman, assim como uma gota de chuva se dissolve no mar.
A via da devoção
Uma terceira rota para a salvação, proposta que começou a se difundir no Sul da Índia por volta de 600 a.C. e logo se espalhou por todo o subcontinente, é a via da devoção. Já no século III a.C. esse caminho para a graça encontrara sua expressão clássica no Bhagavad Gita, um poema catequético.
Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na Índia moderna, e o Bhagavad Gita é o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano médio.
Todas as três vias de salvação se baseiam na doutrina do carma. Sem rejeitar esses caminhos tradicionais para a salvação, o Bhagavad Gita aponta um caminho melhor e mais fácil. Se um homem se dedica a Deus e age desinteressadamente, isto é, sem pensar em ganhos e vantagens, ele será, pela graça de Deus, libertado da transmigração.
O Bhagavad Gita abre o caminho para uma associação mais pessoal com Deus do que os Vedas ou os Upanishads. Ela se caracteriza pelo amor e a devoção (bhakti) do homem para com Deus, num relacionamento eu-tu. Isso não significa que o Bhagavad Gita rejeite o sacrifício ou o conhecimento religioso.
É a misericórdia divina que salva uma pessoa do ciclo — e não seus próprios esforços. Portanto, o caminho mais seguro para a salvação é o bhakti, a devoção a Deus e a crença nele. Todas as pessoas, independentemente de sexo ou casta, podem conseguir a graça se se devotarem a Deus.